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Casa das Sete Senhoras
Depois de apresentações no ano passado, nos Encontros da Imagem de Braga (2014) e no Museu de Ourense, em Galiza, a série “Casa das Setes Senhoras”, de Tito Mouraz (1977) chega ao circuito galerístico, numa exposição na Módulo. Eis, assim, uma oportunidade para apreciar um trabalho que, tendo na paisagem da Beira Alta o seu motivo central, se furta ao documental, ao etnográfico e ao realismo. Tal evasão, que não é definitiva, explica-se pelos elementos que animam a fotografia de Tino Mouraz: a imaginação, a memória, a consciência de que a deambulação pelo território cria ficções. Mas nas imagens, a preto-e-branco, de “Casa das Sete Senhoras”, sobressai um gesto que antes permanecia discreto: a procura de um reencantamento, de lugares que resistam à matematização da vida. Inspirada numa lenda da sua vila natal, Tito Mouraz introduz o espectador ao mundo da (sua) infância, com os seus fundos escuros, as suas silhuetas inquietantes, as suas histórias e paisagens. Das sete senhoras, que seduziam os homens incautos nas noites de lua cheia, uma era bruxa, escreve o artista na folha de sala.
A cidade e a ciência estão arredadas desse conto e são invisíveis no quotidiano que as imagens vão revelando. Não se vê o progresso, apenas as suas carcaças (carros, construções desabitadas), pressente-se o ruído exterior de um declínio, a ameaça de um desaparecimento. “Casa das Sete Senhoras” não rejeita um olhar sobre o presente. Ele está lá, no cansaço e nas perdas dos idosos, na falsa impassibilidade das mulheres de negro, no crescimento da vegetação, na desertificação dos sítios. Os únicos jovens ou crianças que a habitam estarão porventura nos próprios espectadores.
Mas o presente de que nos fala não é facilmente identificável. Não há nada que nos permita situar, com precisão, a origem das fotografias. Não pretendem documentar um período da vida no campo ou qualquer prática agrícola. Esse não é o seu fim; Tito Mouraz constrói um outro tempo, irredutível a classificações, indefinido, porventura regido ainda pelo ciclo das estações, pela relação profunda das pessoas com a terra e os seus espíritos. Ferozmente anti-abstracto.
É um mundo reencontrado e recriado pelos limites da fotografia. Há cortes, enquadramentos, selecções, escolhas. Não nos mostra tudo, não vemos tudo. Daí a inquietação que as suas imagens nocturnas despertam. O que está fora de campo? O que se esconde em segundo plano? Há um cavalo que avança na escuridão, uma escada que se sustém de pé sem intervenção humana aparente, duas formas brancas que deslizam numa superfície negra. A noite em “Casa das Setes Senhoras” sugere o movimento, a ameaça de terrores obscuros, com os seus nevoeiros, os seus fumos (que resultam de práticas e rituais que o artista preferiu não documentar). O realismo das fotografias abate-se, ao ponto de surgirem dúvidas sobre o que se olha. Aquelas árvores foram de facto fotografadas? Serão fotografias? Ao espectador é solicitada uma aproximação que não garante qualquer certeza ou segurança.
A noite como território disforme, perigoso e fascinante encontra o seu reflexo nas imagens diurnas. Mas nestas, a transparência ou o reconhecimento imediato continuam ausentes. A Beira Alta que Tito Mouraz nos devolve, depois de ouvir as pessoas e de observar os lugares, surge assombrada por uma estranheza muda. É ela que envolve o caçador de arma em punho (figura ameaçadora e inusitada), a mulher que cobre o rosto ou a árvore sinistra. São figuras de um conto de fadas cada vez mais distante que a fotografia resgata.
in "Ípsilon, Público", ed. 9056, 01/2015
Casa das Sete Senhoras
in "2 Público", ed. 9065, 02/2015
Não há como fugir a isto: uma das maiores fornecedoras de matéria-prima da fotografia chama-se “experiência pessoal”. E com ela a memória e a lembrança. Na série Casa das Sete Senhoras, Tito Mouraz (Portugal, 1977) usa ainda os afectos e um “ferimento” relacionado com a “magia” e o “medo” que pairaram (ainda pairam) sobre um lugar, que é o lugar onde nasceu [o fotógrafo prefere não o identificar]. Dizia a lenda que na casa do Casal, assombrada até hoje, viviam sete senhoras, todas irmãs solteiras. Uma era bruxa e em noites de lua cheia, vestidas de branco, voavam da varanda para os ramos frondosos de um castanheiro, sobranceiro à rua. Daí seduziam os homens que passavam. A casa e as terras que a rodeiam ficaram envoltas numa aura de mistério, uma tensão subtil que Tito Mouraz conseguiu passar para as imagens que se mostram na galeria Módulo, em Lisboa, até ao dia 21 de Fevereiro.
Casa das Sete SenhorasCasa das Sete Senhoras
in “A Revista do Expresso”, ed. 2204, 01/2015
Tito Mouraz não é propriamente um desconhecido (foi o vencedor do Prémio Internacional Emergentes dos Encontros da Imagem em 2013, e expôs no ano passado no Carpe Diem em Lisboa), mas a presente exposição lança uma luz mais duradoura sobre a sua produção fotográfica recente, nomeadamente sobre a série “Casa das Sete Senhoras” que remete para uma história simultaneamente auto-biográfica e mítica na região da Beira Alta em torno de uma casa supostamente assombrada onde viveram sete mulheres.
Casa das Sete SenhorasCasa das Sete Senhoras
in "Observador", 11/2016
"Equacionando mitologia e natureza num mesmo plano, o interesse do autor pela «lenta desactivação do maneio agrícola, a transformação progressiva do território, o envelhecimento» (i.e. o interesse indirectamente documental do livro), permanece, salvo no que toca à velhice, subentendido. Mesmo as imagens mais explícitas a esse respeito, por exemplo, as imagens de queimas, acabam por encadear na «feição mágica e medonha» de uma «experiência cíclica» (nas palavras do autor, «o meu maior ferimento»). Mais do que por uma narrativa, este livro é estruturado em torno de ciclos e transformações contra um pano de fundo alternante, ora a noite, ora o dia. Na verdade, a estrutura circular e a ideia de ciclos fundamentais (noite e dia, sono e vigília, vida e morte, fogo e cinza, a passagem das estações, etc.) domina todo o trabalho. Mais ou menos a meio, Mouraz faz questão de sublinhá-lo com um díptico composto por duas curvas antepostas, logo seguido por uma imagem de um círculo de pedras."
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